Pico do Baiano: relato da conquista da via ‘Sociedade Alternativa’ VI 7C E3 (7C A1)

Por Marcus Vinicius “Rufino” e Gustavo Pietsch Vianna “Tigrão”

O Pico do Baiano tem um lugar de destaque no montanhismo mineiro e brasileiro. Longas vias, visual incrível e uma aproximação pesada tornam essa Montanha uma verdadeira escola de montanhismo.

Eu Gustavo Vianna (Tigrão) e meu amigo e parceiro de escaladas, Marcus Vinicius (Rufino), já havíamos conquistado em 2007 a via “Metamorfose Ambulante“ 750 metros (V7 A3 E4)  localizada na face norte da montanha. Com uma aproximação dura e uma escalada complexa, exige de dois a três dias para repetição. Até então o único big wall dessa parede.  

Em julho de 2011, voltamos à parede prontos pra ficar o tempo necessário para abrir uma nova via. Para nossa aproximação até a base da montanha contamos com a preciosa ajuda do nosso amigo Leandro Reis. Partimos pesados, munidos de muita tralha, equipamentos, comida e disposição para enfrentar os desafios da montanha. Ao todo eram cerca 100 kg entre água, comida, seis cordas e muitos equipamentos divididos em quatro mochilas e um “haulbada” (tambor plástico de fechamento hermético e capacidade de 75 litros usado para içar equipamentos, comida e água pedra acima).

O primeiro dia foi praticamente dedicado à aproximação. Subimos devagar e, após 7 horas de caminhada, estávamos na base muito cansados, mas felizes… No dia seguinte ainda teríamos que fazer mais um porteio, talvez os três, para buscar água. Felizmente no meio da noite uma forte chuva assolou a montanha. Foi difícil passar a noite, a tempestade nos pegou de surpresa e ficamos parcialmente molhados e, com aquele frio de inverno, nossa noite foi longa. Essa chuva inesperada, mas muito bem vinda, acabou por nos brindar com abundante água pura da montanha. Enchemos nossas garrafas e poupamos o esforço do porteio para buscá-la mais abaixo.

No segundo dia logo cedo, começamos o trabalho de conquista, enquanto o Leandro voltaria parte da trilha até um ponto estratégico pra buscar parte da carga que havíamos deixado pra trás. Essa baldeação foi planejada e crucial.  No final do dia, quando descemos da parede e voltamos ao acampamento base, encontramos o Leandro exausto. Ele havia feito duas viagens de porteio pra trazer o resto da carga. Este trabalho levou o dia todo. Logo a noite já estávamos cozinhando nosso prato “casca grossa”.

No terceiro dia nos despedimos do Leandrinho que retornaria para Belo Horizonte  e focamos ainda mais em nosso projeto. Éramos nos dois e a Montanha. Começamos conquistando rápido, pois tínhamos uma furadeira. Neste dia a escalada rendeu a conquista de duas novas enfiadas.

No quarto dia  acordamos motivados. Estávamos gostando do ritmo que estávamos empenhando. Já tínhamos 4 cordadas conquistadas (cerca de 200 metros). Gustavo começou subindo pelas cordas  fixas, mas uma densa neblina úmida nos envolvia e a nossa visibilidade era muito pequena. Quando nos encontramos em P4 vimos que não tinhamos condições de escalar aquele dia, pois a pedra já estava molhada. Aproveitamos pra reorganizar nossas cordas e equipamentos. Voltando à base, como tínhamos tempo, resolvemos mudar nosso acampamento pra base da via “Obra do Acaso”. Melhoramos a base movimentando pedras. Até que ficou bem confortável!

No quinto dia, o céu amanheceu lindo, azul e, sem perder muito tempo, voltamos novamente para parede e mais 200 metros de ascensão pelas cordas fixas. Chegamos ao ponto onde paramos. Continuamos a conquista só que, a partir deste ponto, não tínhamos mais a furadeira e o que gastávamos antes menos de 2 minutos para colocação de cada proteção fixa,  passaria para cerca de 30 minutos dependendo das condições, pois eram colocados “na mão”. Para aumentar ainda mais nosso trabalho, a via pedia muitas proteções fixas. Saldo de mais um dia: 50 metros conquistados e mais uma corda fixada. Voltamos ao chão pra mais uma noitada de montanha, preparar o jantar e literalmente desmaiar.

No sexto dia, aquela dolorosa subida pelas cordas e a retomada dos trabalhos. A via se mostrava, a cada enfiada, mais exigente e estávamos felizes com a diversidade de estilos de escalada que a via nos apresentava. Passamos por trechos esportivos e outras vezes entravam proteções moveis. Nos alternávamos na ponta da corda e, no final do dia, um saldo muito positivo: tínhamos fixado nossa ultima corda chegando em P6 a 300 metros. Ali planejamos nossa mudança de estratégia pro dia seguinte. Era a vez do tão sonhado acampamento suspenso. Lembrando que nos últimos dois dias todas as proteções fixas estavam sendo colocadas na “munheca”, pra destacar nesses dias o Marquinho bateu 17…

No sétimo dia de conquista subimos com o ‘haulbada’ prontos pra dormir na parede. Um longo e árduo caminho pra puxar todo nosso equipamentos, roupas, comida, água etc… Escalamos confiantes que íamos encontrar um platô para instalar o acampamento suspenso. No final do dia, a luz do Sol nos deixava e o Marquinho que, estava na ponta da corda, finalmente atingiu o platô depois de esticar 70 metros de corda. Após ele fixar mais uma proteção e fazer a parada, continuamos o porteio para içar nosso material. Já era noite. Ajeitamo-nos no pequeno platô e preparamos um belo jantar espremidos e fomos dormir sonhando com o dia seguinte.

No oitavo dia, o Gustavo acordou com fortes dores nos dedos. Uma unha estava prestes a se soltar. O Marquinho assumiu a ponta da corda. Decidimos forçar um pouco pra direita a partir dali, pois estávamos debaixo de uma “barriga de rocha” sem agarras,  mesmo que a via seguisse uma linha reta natural até então. Logo nos primeiros  20 metros da oitava enfiada o Marquinho encontrou as chapeletas da via “Obra do Acaso” e, por ela, decidimos seguir pro cume. A via estava conquistada. Faltava chegar ao cume, assinar o livro e começar o longo trabalho de descida. O rapel, foi muito trabalhoso. Tivemos que recolher os 300 metros de cordas e descer com  toda nossa tralha e equipamentos. Era peso e estávamos desgastados depois de oito dias de muito trabalho. Por volta das 23 horas chegamos no chão!

No Nono dia acordamos cedo, mas incrivelmente satisfeitos com nossa conquista. Dividimos todo nosso material em duas cargueiras. O peso estava desumano, mas preferimos sofrer de uma só vez. Tínhamos que ajudar um ao outro a colocar as mochilas nas costas. Cerca de 40 quilos cada. Após cinco horas de uma longa e dura caminhada estávamos comemorando no Camping do Caverna!

O Pico do Baiano é uma Montanha mágica que encanta que a vê e, mais ainda, ao estar em contato direto. É uma mistura de encantamento e respeito, prazer e medo. Poder  estar ali pra nós é uma honra. Chegar até aquela base já é uma vitória. Atingir seu cume… sem explicação. Nos sentimos mais vivos, poderosos, humildes e felizes …

Durante toda a escalada o som das máquinas minerando o sopé da montanha não deu sossego. Dia e noite, chuva e Sol e os tratores, caminhões e trens trabalhavam para nós, homens, numa busca incansável pelo minério de ferro. Explosões, barulho, um vai e vem interminável dos trens carregados de minério e, dia após dia, percebia o buraco negro à nossa frente aumentar como um câncer sem tratamento.

O resultado não podia ser diferente. Uma via que já nasceu clássica. Batizamos de “Sociedade Alternativa”. Um alerta contra a ganância incontrolável avistada lá de cima e que ameaça as montanhas de Minas.

Enfiadas esportivas e móveis, lances boulderísticos, fendas perfeitas, lances incríveis e exposição moderada fazem dessa uma ótima opção de escalada no Pico do Baiano. São 650m de via da base ao cume em excelente rocha. Vale a pena conferir!

Agradecemos o apoio de todos que acreditam em nossos ideais …

Valeu a todos …

Patrocínio: Bem Mais Vertical, Escale.

Apoio: Loja das Pedras, Caverna Tatoo.

Croqui da via:

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